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sábado, 4 de setembro de 2010

Diário da Exilada- As Cartas que Nunca Serão Enviadas-I



Diário,
Sem data, pois ainda não aprendi a usar o tempo...

" A janela com seus vidros fechados, emoldurados pela fina e modesta cortina branca parece um belo quadro que revela o esplendor dos respingos de chuva.Uma imagem encantadora que convida a olhar o nada e ouvir-se. As folhas das árvores bailam felizes o frescor das águas que vertem com vontade. Estão de um verde intenso! O som da chuva parece uma canção de ninar...

Entre o sono que vem, os meus pensamentos que se deslumbram com o 'quadro' e as vozes interiores, um misto de sensações.

Se paga um alto preço quando o motivo de sua existência é trazer a humanidade as mensagens do despertar. É difícil manter a missão, limitado em um corpo vil repleto de vontades próprias, que desvia dos objetivos tão conscientes.

Houve um tempo em que a dificuldade era bem maior. Não bastava a fragilidade do corpo exposto as pragas e as batalhas de conquista dos bárbaros. Alcançar grandes distancias exigia mais que pernas fortes e um bom fôlego. Era preciso criar os recursos para se ter a permissão de embarcar nos grandes navios mercantes, ou ter algum fragmento de ouro ou objeto de valor para uma das carruagens da longa fila que rasgava o chão seco, ou ainda apenas caminhar junto aos nômades que criavam seus rastros pelo deserto,mantendo-me segura em grupos.

Hoje, fica apenas o desatino que os vícios desta prisão reclamam. Pode-se 'dizer' o que é preciso sem carruagens, camelos, navios, pernas fortes... Já faz pouco mais de dez anos que este recurso facilita minha vida. Alguns anos atrás já havia abolido a vida andarilha, dependendo de um lugar tranqüilo, seguro, com pelo menos água acessível. Ou dependendo da queda.O século passado trouxe conforto e cada vez mais a vida foi simplificada. Não entendo ainda o porquê, as pessoas continuam ainda sem tempo.

Tudo neste mundo é realmente incrível! Uma pena que depois de tanto tempo, ainda não consigo adaptar-me a ele. Não fosse a seqüência evolutiva que fomos ordenados a seguir, poderia ainda ser um gato. Leão não, não me adaptaria do mesmo modo em meio a urbanização. Certa vez, o homem primitivo pegou um gato selvagem de seu habitat natural e passou a criá-lo em sua moradia, procurando pacientemente provar de que era pacífico e possível conviverem tão próximos. Resultou no gato doméstico. Quem sabe se minha prisão fosse novamente um, eu me adaptaria como o gato selvagem adaptou-se. O gato é um de nossos parentes mais próximos... Os felinos são ainda os únicos do reino terrestre que conseguem com naturalidade estar aqui e lá!

Estou meio entediada de falar comigo mesma... Minha caixa de mensagens aberta no e-mail que recebe todos os e-mails...Esta é uma das boas facilidades... Mas de seis mil mensagens para serem respondidas. Esses pouco mais de dez anos deram-me muitos amigos, colegas ou apenas pessoas que encontram em mim 'ouvidos' para ouvi-los. Tenho amigos que conheci por este recurso tantos anos atrás... Uns conheci pessoalmente, outros não!

Algumas mensagens já demonstram no título a preocupação do remetente com minha 'mudez'. Abro, talvez seja urgente e precisem de algo. Não, estão preocupados comigo e sentem minha falta. Não vou responder... Justamente esses acreditam de verdade que eu posso passar energias pelas palavras que envio. No estado que me encontro, enviarei energias péssimas. Respondo alguns... Não sei porque... Fluiu simplesmente.

Estou completamente desinteressada, e terei de dizer a minha amiga da Espanha para tirar-me da moderação do grupo de discussão que incansavelmente convidou-me para estar com eles. Acreditam que é de suma importância que eu compartilhe minhas experiências espiritualistas. Mas, não há sentido tentar explicar as pessoas o que elas acreditam ao modo delas. E assim é. Isso não pode ser mudado: cada um vê o mundo como o entende.

Uma mensagem de outro grupo... Meu amigo insiste que eu retorne a outro grupo de discussões que sai faz algum tempo pelo mesmo motivo. Cada um tem sua opinião sobre tudo... Expô-la pode acarretar um enorme mal entendido. Há pessoas que precisam tanto 'estar certas', que usam qualquer recurso ou justificativa para impor isso. Não sou a dona da verdade, então não tenho que defender a verdade que só serve para minha vida. Convicção não se impõe: tem-se! Muitas virtudes não podem ser impostas, muito menos forçadas a ter: são conquistas!

Não consigo responder ninguém. O assunto das pessoas me enche de um tédio absurdo, e tudo parece tão desinteressante... Mas Maria está muito preocupada... Minha irmã de Brasília...Preciso respondê-la.

Não quero responder e-mails agora... Gostaria de escrever um poema para alguém especial... Ele é uma necessidade estranha e sem cabimento. Ele me incomoda, porque me vejo nele. Ele se parece demais comigo e isso me atraí. E me irrito quando penso como é irritante esse modo de ficar analisando as pessoas como faço... Como ele está fazendo. Ele está interessado em mim, mas creio que não como um homem interessa-se por uma mulher. Deve ser porque ele nunca havia visto um ser não tão humano, tão estranho assim.

Ele não precisa de mim, e nem eu dele. Não sei o que ele vê que o instiga... Sei que há algo nele que preciso e quero... Muito! Ele é aquele tipo de pessoa que atraí, e pode conseguir quem quiser pra si, pelo tempo que bem entender. Não, ele não precisa de mim... Precisa de algo que está comigo... Pensei seriamente em aceitar tardiamente o convite para um café. Odeio inventar desculpas... Mas é o medo de magoar as pessoas... Odeio magoá-las. Odeio ser magoada!

Seria simples: bastava ir! Mas temo fazer isso. Embora o que me trouxe a este mundo tenha sido a cobiça que contaminou o mundo e esta ainda mais presente que nunca, não é por ela que estou aqui. Algumas vezes quero acreditar que sim...Por causa disso, não vou. Porque o que quero está com ele e vou novamente desejar intensamente a ponto de cobiçar e querer pra mim. E querer o que desejo irá mais uma vez me tirar do destino que devo seguir. Ele me acha estranha... Não iria compreender o que mais cedo ou mais tarde irá acabar descobrindo. Eu sou estranha!

É... Melhor não escrever poesia alguma. Escrever sempre intensificou meus pensamentos e cravou todos eles na memória da minha existência.Preciso é refletir um pouco mais sobre mim mesma, para aceitar de uma vez, de maneira completa o que devo fazer desta minha vida.





-=Trecho de um livro inacabado=-

São Paulo, 03 de Novembro de 2008.


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