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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Os lugares não são feitos de tijolos, mas de pessoas

A dança das cidades:


Os lugares não são feitos de tijolos, mas de pessoas


Tijolos, madeira e paredes não falam. Mas, quando entramos em um lugar que marcou

o nosso passado, é como se tudo isso ganhasse voz e fizesse ecoar toda nossa história ali.


Por Rita Shimada Coelho*

De São Paulo-SP

Para Via Fanzine


Após quase 60 anos, o Cine belas Artes, em São Paulo, deve fechar suas portas.



As grandes cidades brasileiras se superlotam. A migração é incessante, pois as grandes capitais são as terras das oportunidades, onde muitos moradores de outros estados e cidades vêm tentar a sorte. Há uma idéia sedutora que atrai todos aqueles que querem uma vida melhor. E nos subúrbios é que estas pessoas se acumulam. Juntam-se aos moradores antigos, criando uma superpopulação que se reflete na precariedade dos serviços públicos e na falta de moradia adequada. O mapa demográfico muda constantemente.


Uma vida nômade é percebida. São muitos desses migrantes que possuem maior dificuldade em conseguir a sonhada casa própria e por isso, dependem de residências alugadas. De seis meses a um ano estão em um endereço novo. Durante este período, alguns mudam filhos de escola, mudam o endereço no posto de saúde, mudam os hospitais que utilizam. Quem é morador antigo precisa disputar os mesmos serviços. Há dificuldades em colocar os filhos em escolas públicas próximas de suas residências, por falta de vagas. Há dificuldade em conseguir serviços médicos, pois são muitos pacientes disputando os mesmos especialistas e horários.


E essa onda nômade de constantes mudanças de endereços cria uma desordem social. Pouco se vê daquelas famílias que surgem em um mesmo endereço: ali crescem e criam novas gerações. Não se vê mais um endereço que seja lar permanente onde uma história genealógica nasce e passa de geração em geração. A maioria das famílias não possui mais uma raiz, um chão sagrado, onde sua história foi enraizada. Poucas são as crianças que possuem uma 'casa da avó' para ir. Poucas famílias duram tempo suficiente para que seus descendentes criem também suas famílias.


A família é composta pelas pessoas que a forma. O lar é a residência onde esta família vive. Ambos juntos criam um local histórico pessoal que, juntamente com os demais, faz uma sociedade com suas histórias. Quem faz as histórias são as pessoas, e a importância dos lugares se deve às pessoas e suas histórias. Sem isso, um lugar é apenas mais um lugar.


Não somente a migração e as oportunidades de emprego modificam os cenários sociais, as famílias e os costumes. A modernidade e o progresso também exigem mudanças. São erguidos novos prédios para comportar um maior número de produtos, serviços e pessoas. Novas empresas e expansão das que já existem. Nova aparência, fachada e decoração. Tudo vai mudando e também as paisagens. O progresso e o avanço exigem renovação.


Os prédios antigo e novo da tradicional loja Mappin no Viaduto do Chá com a Praça Ramos de Azevedo.



Bazar Inoue, no Capão Redondo


No centro do bairro de Capão Redondo, em São Paulo, há um exemplo típico em sua avenida principal. Em meio a fachadas modernas e defronte a uma banca de jornais, o prédio do Bazar Inoue se mantém de pé. Seu exterior ainda é o mesmo de décadas atrás. Os balcões e prateleiras de madeira nobre também são os mesmos e a única mudança feita foi em suas posições. Tudo foi levado para trás de uma imensa grade de ferro que separa o cliente do atendente. Das duas vitrines que enchiam os olhos em sua entrada restou apenas uma que está vazia há anos. Ali, quem passava pela avenida parava para admirar presentes importados do Japão. Muitos dos antigos moradores não se esquecem da sensação estranha de entrar ali. Era como uma viagem no tempo. Os móveis da loja lembravam um antigo bazar de Velho Oeste. Madeira por todos os lados, vitrine no centro que criavam um corredor e uma variedade de produtos que faziam o olhar se perder. Várias atendentes sempre ocupadas vendiam armarinhos em geral, material escolar, artigos de papelaria, presentes e tudo mais que fosse procurado ali, encontrava-se. No caixa ao fundo da loja, o casal de imigrantes japoneses estava sempre simpático e conversava intimamente com seus clientes.


Naquele tempo vendia-se fiado e todos tinham o nome numa caderneta. Atrás do caixa havia uma escada também de madeira que levava ao andar superior. Ali se encontravam presentes de todos os tipos para todos os gostos. Não eram colocados em prateleiras como habitualmente vemos. Colocavam tudo do mesmo modo que ainda é feito em muitas lojas no Japão: sobre mesas, sendo que muitas eram feitas de madeira forrada com tecido e posicionadas em cima de caixas. Aquele era um lugar agradável e muitos pais endividaram-se ali, encomendando presentes para os seus filhos.


Neste ambiente, o casal Inoue criou todos os seus filhos e netos. Atrás do bazar fica até hoje a residência onde a família nasceu. O bairro todo foi se modernizando e o antigo bazar foi mantendo-se sempre do mesmo modo e hoje parece um prédio fantasma do século retrasado. O senhor Inoue faleceu faz alguns anos, mas sua senhora, Dona Rosa, como é conhecida, até hoje é levada para a loja sempre no mesmo horário que é aberta. Já não tem a mesma energia com a qual recebia seus clientes com um largo sorriso. Seu olhar está vago... Observa vez ou outra quando um cliente chega. Talvez, esteja a relembrar as histórias daquele lugar, assim como muitos de seus clientes ainda fazem.


O Bazar Inoue é um dos três prédios comerciais que ainda mantém aparência original à sua inauguração. A lanchonete do Beto e ao lado, a quitanda - ambos também descendentes de japoneses – também continuam na mesma rotina. Alguém sempre diz: "Nossa! Deveria se atualizar!". Mas estas pessoas talvez não compreendam que, justamente estes imigrantes e suas vidas peculiares ajudaram a montar a história do bairro. São eles parte do grupo de primeiros moradores. Foram eles que iniciaram o centro comercial, que hoje possui um tráfico intenso e bem lucrativo.


Não importa por quantos anos um lugar sobreviveu, deveria ser visto com respeito. Nesses lugares há uma história maior feita de várias histórias particulares. Um lugar sobrevive aos anos, graças às pessoas que o frequentam. Frequentando estes locais, as pessoas também compõem as suas histórias.


Modern Sound: loja que era referência musical no Rio encerra atividades.



Modern Sound e Mappin


Quantas histórias nasceram na Modern Sound no Rio de Janeiro? Funcionando há 44 anos no mesmo endereço (Rua Barata Ribeiro), a loja que vendia em vinil os últimos lançamentos nacionais e internacionais, assim como belas raridades importadas, baixou suas portas, mesmo sendo referência da música de todo o mundo. Mas, a Modern Sound não era simplesmente uma loja de discos, era também uma casa de eventos. Em seu palco se apresentaram muitos talentos que se tornaram grandes sucessos. E muitas pessoas possuem histórias interessantes: ali foi comprado o primeiro LP de muita gente; a música que marcou a vida; o disco que faltava para coleção; ali encontrou um novo amigo; marcou encontro com vários; apresentou o seu primeiro show... Tanto para clientes quanto para artistas que ali se apresentavam, muitas foram as histórias, sob tantas trilhas sonoras.


Poder-se-ia apenas dizer: "É só mudar de endereço", mas, não é simplesmente assim. Quem nunca passou pela Praça Ramos, no centro de São Paulo, olhou aquele prédio imenso e disse: "Aqui era o Mappin e aqui comprei o enxoval do meu filho"? Por quantos lugares passamos e nos lembramos de antigas fachadas e prédios que nos trazem de volta momentos que construíram nossa história?


Não sabemos se o desejo de sempre morar num lugar melhor, de acreditar que é preciso mudar de casa, do desapego com o lugar onde se nasceu, cresceu e construiu a própria história ou a necessidade de progresso que faz muitos de nós pensarmos que muitos lugares turísticos e históricos de nossas cidades não deveriam ser tombados e preservados. Talvez, estejamos nos esquecendo de onde viemos...


É impossível hoje eu entrar no supermercado de meu bairro e não me lembrar que ali antes havia outro, onde morava minha melhor amiga. Brincávamos no depósito com pilhas e pilhas de produtos correndo pelos corredores estreitos. Ali, nasceu uma grande amizade. Ali Eliana nasceu, cresceu e morreu. Depois de sua morte, seus pais venderam o antigo supermercado conhecido de todos e um outro foi reestruturado e apresentou novo nome. Mas quando entro nele, parece que as dimensões se fundem e o tempo volta. Vejo aquele mesmo cenário da década de 70 com os caixas ainda à manivela e em vez de sacolinhas plásticas, sacos de papel.


Cada um considera um lugar importante por este lugar de certo modo fazer parte de sua história. A existência daquele lugar ajudou sua história pessoal ser mais rica. Um lugar possui tanta importância na história das pessoas, como numa história bonita que começou no Cine Belas Artes. Depois de 68 anos reproduzindo histórias e enriquecendo a história pessoal de muitas pessoas, o Cine Belas Artes manterá suas portas abertas até fevereiro. "Menina! Ir ao Belas Arte era um luxo!" - ri o poeta José Reis - "... disse a minha eterna namorada que precisaria fazer um esforço mental enorme para façanha de contar em detalhes nossa história a um casal de amigos quando soubemos do fechamento de Belas Artes" - conta.


Ele fala das antigas emoções do Belas Artes, “A primeira vez que fui ao Belas Artes, com Jacira, minha amada. Foi muito especial. Acho que assistimos ao filme "E o vento levou", ou foi: “Horizonte perdido”, ufa!, Choradeira em três horas de projeção, deliciosa emoção, que aventura! Então um beijo para acalentar a amada, misturado ao sal das lágrimas... Ah, Belas Artes que saudade!”.


Reis também relembra que aquele cinema não se limitava somente às apresentações de películas, pois integrava à cultura regional. Ele lamenta a ameaça de extinção da tradicional casa das artes visuais, “Depois, na saída, tomar um suco e comer um lanche, o que dizíamos ainda extasiados pela delícia do programa? Tudo sobre o filme, éramos todos os heróis! Que Belas Artes, a arte, o espaço, e os sonhos da gente. Isso não pode morrer! Não ao menos dentro da gente, onde a mão da ganância pelo dinheiro, não alcança a nossa humanidade”, relembra.



* Rita Shimada Coelho é escritora e cronista. É colaboradora de Via Fanzine.

- Fotos: O Globo/Anderson nascimento/Arquivo da autora.

- Produção: pepe Chaves


Ainda sobre lugares:


A montagem é do arquiteto Fábio Corradi. Nas imagens, o passado de Itaúna e o presente se fundem contando as mudanças que a cidade sofreu. Os prédios e cenários antigos vão desaparecendo e o novo vai surgindo.


A música é uma ópera escrita e encenada por Itaunenses nos anos 20.


Depois que o Via Fanzine impresso, em 2002 fez uma matéria especial sobre a ópera A CIGARRA DO SERTÃO, alguns artistas e produtores de teatro fizeram uma produção grandiosa desse trabalho, reunindo quase 100 pessoas na produção.


© Copyright 2004-2011, Pepe Arte Viva Ltda.

FONTE: VIA FANZINE



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