Eu era ainda bem pequenina quando passei a namorar as nuvens. Deitava-me no chão de terra de braços e pernas abertas, a céu aberto, e fingia voar! Todo aquele céu e nuvens brancas acima de mim e eu imaginava estar pulando de nuvem em nuvem...
Pouco tempo depois fui estudar no Jardim de Infância, ou Prézinho como chamavam na época. Eu já havia recebido aulas de alfabetização e por isso, já sabia ler. Uma das atividades na escola era a leitura na biblioteca. A maioria dos coleguinhas preferia histórias em quadrinhos e livros infantis com poucas frases e muitas ilustrações, pois não sabiam ler muito bem. Já eu, lia sobre as bruxas, os gigantes, os duendes, os dragões e Tutankhamon. Certa vez, encontrei um livro cuja capa jamais esqueci, pois a ilustração era a mesma que havia entre as páginas. O desenho era de um contorno fino, sem preenchimento.
Na história, o vento se apaixona por uma moça bonita de longos cabelos. Ele entra janela adentro enquanto ela dormia, afaga os cabelos, acaricia a pele, envolvia o corpo da moça como em uma dança. Ela sentia frio e fechava a janela. O vento entristecia-se...
A lembrança sobre a historia em si é vaga, mas lembro-me de pegar o mesmo livro umas três vezes... Foi quando passei a namorar o vento. E por toda a minha vida foi assim. Ouço seu som como uma voz... Percebo seu humor enquanto passa...
Enquanto as nuvens - que ainda namoro - me levam a imaginar que estou voando, o vento me faz voar sem sair do chão. Talvez ele não tenha uma voz... Talvez ele leve por ai os pedidos e pensamentos das gentes... Talvez ele nem saiba que eu exista e quando penso que ele me abraça, apenas me contorna por eu estar no caminho dele, feito pedra no meio do rio...
O que sei mesmo é que nesse namoro com o vento, ele acabou se tornando meu melhor amigo. Conta-me sempre histórias de outros lugares longínquos no espaço e no tempo... Fala-me dos segredos que as pessoas compartilham com ele enquanto observam a Lua, que na verdade não é muito atenta ao ouvir as confissões dos apaixonados, pois ela sempre esta pensando no Sol...Triste sina a da Lua: sabe que seu amado existe, mas não pode vê-lo muito menos tocá-lo...
Dias atrás me lembrei desse episódio de minha infância e percebi que embora eu ame tanto o vento, não foi por ele que me apaixonei naquela época. Foi pelo desejo de amar mesmo sem ser amado. Foi por aquele sentimento de ter o amor tão próximo sem nunca poder tocá-lo. O amor calado, em segredo e solitário.
Eu sempre me apaixono pelos sentimentos que se pode sentir. Por esta capacidade unicamente humana de ter dentro de si mares turbulentos, borboletas, ventos intempestuosos e ter que reprimir tudo isso.
Apaixono-me pelas tentativas de ocultar o que se pensa de verdade, pelas palavras que saem da boca e que não são as mesmas que estão no coração... Pela mão que arde desejando apenas tocar outra mão e o esforço de contê-la... Apaixono-me por todos os sentidos que tentam esconder as verdades de si mesmo, e pelo fato de que apenas um deles jamais nega algo e sempre é sincero:
- Me apaixono pelos olhos cujas íris se transformam em planeta num universo tão único e que sempre expressam tudo aquilo que o resto do corpo não quer dizer! Pelos olhos que revelam, mesmo sem querer, todo o mistério interior!
A obra O Namoro com o Vento de Shimada Coelho foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Os olhos... janelas da alma...
ResponderExcluirTambém gosto muito de "falar com o vento"...
Lindo Rita. Parabéns!
Beijo!
Rosana
E como é bom sempre poder se apaixonar...
ResponderExcluirComo é bom viver de forma única cada paixão que vivenciamos..
Assim como tuas palavras.. teus gestos..
teus pensamentos e tua poesia minha amiga, são sempre apaixonantes.
Peguei um trecho desse teu poema e postei em meu blog...
Não resisti.... sei que não achará ruim rsrs
amo-te coisinha.
http://molekamasked.blogspot.com/