Entre uma mordida no chocolate e uma tentativa de rabisco tento descobrir onde o pensamento deixou de evoluir.
Houve um tempo em que se pensava que tudo a nossa volta tinha como principio a água. Tales colocou a água como fonte originária de para tudo. Dou uma mordida em um doce e olho pela janela. Vem-me a imaginação a Grande Bacia sem seu verde e suas casas – daqui caixinhas de fósforo coloridas - inundada de água. Deliro imaginando bolsas gigantes de água andando pelas ruas e dirigindo os automóveis. Vou além porque a imaginação é fértil e imagino uma Alma aparecendo ao som de uma gota caindo e desaparecendo explodindo em garoa.
Anaximandro encontrou-se em um fundamento que faria sentido pra mim se ele não houvesse criado tantos nomes para explicar algo que não é simples para a maioria entender. Olho para o cigarro e para o chocolate sem saber qual deles quero agora e logo me vem na mente que meus pensamentos param quando a glicose baixa.
Anaxímenes deixou seu mestre Anaximandro, pois para ele o ar era a raiz de tudo. A imaginação não trouxe nada, mas mesmo assim tento imaginar um mundo que surgiu do ar. Nas ruas os andarilhos seriam balões flutuantes! Se água, energia sem limites ou ar o ser humano ainda seria uma estátua oca.
Procuro na paisagem as janelas da casa da Márcia e penso que pelas janelas no rosto dela posso ver um mundo, mas as janelas da casa dela só me mostram onde ela mora.
Decido acender a droga do cigarro porque me deparei com Pitágoras e não compreendo ainda a linguagem dos números. E pra que? Tão primitivo quando quero mesmo é a linguagem telepática. Bebo meio copo de água antes de acender o cigarro porque ele mata e eu sou hipócrita. Enquanto o filósofo esta na Música das Esferas eu já passeio dentro de esferas faz tempo.
Heráclito renegou a água, a energia, o ar e os números. Regrediu para as cavernas e acreditou no fogo. Ele bem que une ao aquecer... Mas deprimido como era a visão de fogo para ele deve ser outra... Não bastasse isso ele tinha alguém por perto que não deveria ter mais o que fazer da vida, pois dispensava sua energia para contrariá-lo.
Um carro passa e quer que todo mundo saiba, porque ele toca algo que pensam ser música tão alta, que invade não somente meu quarto como também minha cabeça, fazendo-me perder o raciocínio.
Enquanto tento retomá-la m sinto desconfortável: há mais de uma semana o mundo fede a carniça. Olho as ruas vazias e não vejo as pessoas... Penso que todas devem estar mortas e isso justificaria o odor. Vejo os carros que trafegam, mas não dá pra ver se há alguém dentro, do mesmo modo quando vejo corpos andantes que parecem vazios. É muito carro, carro demais!
Tento retomar o pensamento enquanto imagino se as pessoas sumiram porque as casas estão vazias os carros cheios... Em que eu estava pensando? Ah, se aparecerá algum filósofo que acreditará que o princípio de tudo são duas medidas de areia, duas de pedra, um saco de cimento e água.
Tomo um remédio para dor e resisto em resmungar... A dor é minha mestra, mas passar quase a vida inteira com dor está dando nos nervos. Se eu fosse filósofa meu princípio de tudo seria a dor: dor no parto, dor da morte, dor do luto, dor pra nascerem os dentes, dor pra menstruar, dor pra perder a virgindade, dor da traição, dor da separação... Não... Sou romântica demais... Meu princípio seria outro mais agradável...
Alguém passou pela porta, olhou e me viu escrevendo: “-Tá escrevendo no escuro?”. Sorri, não respondi, mas pensei: “É o único jeito pra que eu tente ver a luz!”.
Me pego de boca aberta ao ler Zenão: “- Que viajem!”
Fecho o livro e penso: “Não adianta! O mundo é o que cada um acredita ser ou o que os outros o convence que é!”
E onde morreu o pensamento? Pelo visto, na minha cabeça é que não foi!
@shimadacoelho
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