Dei boas vindas ao pequenino emplumado como se ele fosse uma benção,um presente dos céus. Quando um pequeno passarinho fez sua casinha bonita e perfeita em um dos galhos da Cerejeira eu soube que era um sinal para jamais esquecer a lição...
As vacas secaram tanto que viraram pó. As dificuldades eram tantas que já escrevia poesias sobre macarrão, alho e óleo sem o alho e também sem sal.
Não havia um ser sequer ao redor, pois em momento algum vi nenhuma mão estendida. Nesse período de intensa seca também fui surda, pois nem palavras que fossem de apoio ou encorajamento soaram em nossas terras reduzidas a um horizonte vazio. Pelo menos, as plantas do jardim sorriam, e eu observava a benção das chuvas sobre elas.
O fundo do poço aproximava-se... Era úmido, escuro, frio e dramático. Olhava-me no espelho e batia-me na face tentando tirar aquele sorriso que escancarava nos lábios e nos olhos. Sorriso de fé! Só podia ser... Pois tentava fazer poesia para servir no almoço com o pouco que tínhamos.
E observava as crianças ainda sorrindo, ainda correndo atrás de pipas, aumentando a coleção de bolinhas de gude, ainda achando que o lanche simples de sábado à noite era uma festa. Observei mais e os pássaros ainda cantavam todas as manhãs como se o surgimento do Sol fosse motivo para festa. As nuvens continuavam indo e vindo no céu, a chuva continuava a cair quando dava na telha, o Chuchuzeiro ainda insistia em esticar-se, os Periquitos ainda tinham preferência pela árvore quase morta, os cães já magros ainda abanavam o rabo quando nos viam e faziam festa... Ainda nos olhavam como se fossemos Deus!
Como manter a esperança e a fé quando tudo vai de mal a pior? Na montanha de desgraças que crescia a nossa frente eu procurei. Se o Diabo mora nos detalhes é porque Deus está nas pequenas coisas onde a grandiosidade pode surgir. Olhei e vi que o tempo de alegria passou e aquele período também passaria. Assim como guardei cada dia de riso, fui guardando cada dia de angustia.
Quando nosso pasto era verde nossa casa se enchia o tempo todo e os bajuladores nos rodeavam. Na seca quando alguém surgia era para assistir de perto o momento de nosso último gemido. A bajulação foi embora e quem ocupou seu lugar foi a humilhação desavergonhada e impiedosa. Não encontrávamos mais nossa honra em lugar algum. Também não encontramos as lições que poderíamos ter aprendido quando tudo eram apenas risos.
Tudo que digo é o que acredito por isso as vivo. Era o momento de provar que acredito de verdade. E quando as sombras da noite vinham sobre nós, acendíamos velas e fazíamos bichinhos com os vultos das mãos para dissipar a escuridão. Contávamos histórias da infância e fazíamos jogos. Na caixa de correio as contas iam chegando sem dó e eu fingia que eram cartas de alguém distante. No racionamento de comida foi quando aprendi a cozinhar melhor. Quando as crianças pediam o que não podia ar aprendi a dizer 'não' mas aprendi também a receber um e quanto recebi. De todas as pessoas que desapareceram pouquíssimas ficaram e foi quando descobrimos o real valor de todas elas. Decepção não, auto-seleção. Amigo de verdade foram aqueles que ficaram e ainda faziam festa mesmo quando não tinha nada para comemorar. (Márcia, obrigada por tudo!)
Os anos se prolongavam e nos perguntávamos '-Até quando?'. Então vasculhávamos o que ainda não havíamos aprendido. E como faziam os cachorros, os passarinhos, o Chuchuzeiro, a chuva, nós íamos fazendo festa enquanto o mundo queria ruir sobre nossas cabeças. Fazendo graça de tudo, rindo em vez de chorar. A Vida nos deu opções e podíamos escolher. Não havia e nem há decreto algum que determine que nós tenhamos que passar por uma tempestade chorando. Celebrávamos, pois deitávamos pra dormir porque tínhamos uma cama e um teto só nosso. Celebrávamos ao acordar, pois recebemos a dádiva de um novo dia e despertamos vivos! Tínhamos saúde e tínhamos muita vida! Poderíamos então vencer tudo!
O tempo passou e nem percebemos quanto tempo se foi. Não vemos mais o horizonte porque agora cresceram árvores e subiram construções. O pasto volta a ser verdejante, a chuva ainda cai, os passarinhos ainda cantam, os cães ainda abanam seus rabos, mas nós não somos mais os mesmos.
Hoje olhamos para trás e podemos sentir muito orgulho de nós mesmos. Provamos não ao mundo, mas para nós mesmos, que realmente cremos no que dizemos. Temos orgulho por ter atravessado a tempestade sem deixar o barco virar.
Nossa maior recompensa não é tudo que podemos readquirir! Foi a nossa união que se reafirmou, foi a força que cresceu, foi a capacidade e o desdobramento que despertamos em nós. No pouco e no muito fazemos festa! Porque descobrimos que a dimensão de nossos problemas somos nós quem a criamos. De que somos maiores e melhores do que pensávamos.
Assim como agarramos a alegria com medo de perdê-la porque passa, a tristeza também passará.
@shimadacoelhoA obra Tudo Passa de Shimada Coelho foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em shimadacoelho.blogspot.com.
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