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segunda-feira, 1 de julho de 2019

Em que Vale à Pena Acreditar




Tenho amigos de infância que considero jóias de imenso valor e que fazem parte do meu tesouro: são partes das preciosidades desta vida que não abro mão.Passamos a maior parte de nossa infância na escola do bairro onde moro até hoje... Praticamente crescemos juntos, e fomos testemunhas uns dos outros da passagem da infância para adolescência, das descobertas da vida, do amor, dos obstáculos, da chegada da juventude, das confusões emocionais, da hora de ser adulto. Depois de pouco tempo após nos formarmos e sairmos da escola, cada um precisou seguir seu rumo atrás de suas conquistas, encarando a Vida que cada um precisava encarar... E por alguns anos ficamos separados... Distantes... Até que a rede virtual possibilitou que todos fossem encontrados. Houve o primeiro reencontro... O segundo... A constatação de que apesar de todos terem amadurecido bastante, aquela criança do passado ainda estava viva e a cada reencontro a sensação de que o tempo não passou, que paramos no tempo, e que ainda éramos uns para os outros os mesmos.Como era antes, tornou-se impossível aceitar a distância e os reencontros sempre acontecem.

Hoje, tivemos que nos reencontrar de um modo que nunca esperávamos. Pois juntos parecíamos tão crianças e eternos... Juntos, o tempo parava, regredia e estacionava naquele tempo crucial que permitiu que cada um de nós criasse nosso caráter... Os anos passaram e não nos demos conta... Os filhos da década de 70, que se descobriram nos anos 80 pararam no tempo, embora o tempo esteja sempre curto, embora sempre estejamos sem tempo...

Um de nós partiu. E tivemos que nos reunir para nos despedir. Uma despedida dolorida, pois não haveria como sempre ocorre, a possibilidade de reencontro.Eu olhava para cada um deles cheia de orgulho por ter convivido com eles num período tão importante de nossas vidas. Eu enxergava com clareza o valor de cada um para este mundo, para minha história pessoal, para minha vida.


Impressionante lembrar que mesmo quando estávamos tão distantes uns dos outros, a simples lembrança operava milagres como se nunca tivéssemos nos separado.O tempo passou tão rápido, mas cada rosto ainda é o mesmo...

A dor da perda não foi maior porque estávamos juntos. Nos apoiando uns aos outros, consolando e oferecendo generosamente carinho, como na infância nos momentos de confidência ou peraltices... Mas, eu podia ver no olhar de cada um, um brilho estranho...

Eu não conseguia chorar...Tentei me convencer que seria essa minha mania de 'ser forte' para que o outro não se renda demais... Tentei me convencer que acredito realmente na vida após está vida, e que realmente creio que a morte não é o fim, e isso se refletia na minha atitude.Eu apenas tentava me convencer...


Estava era confusa... Estava em um tipo de choque... Estava a muitos dias com muito medo que esse dia chegasse. Porque de repente, me dei conta de que embora pensasse ser ainda aquela criança, o que há por fora não permitia que eu me enganasse.

Nos abraçamos como se fosse a última vez... Nos abraçamos como se fosse um de nossos reencontros para festejar nossa duradoura amizade... Nós abraçamos com força como que dizendo:- Estamos juntos nessa também!E nosso amigo, já havia abandonado aquele corpo há algumas horas... Só restava ali o que lhe servia de casa para esta estadia temporária. O que pertence ao mundo físico a ele é devolvido. Nós, que ainda estamos presos a esta casca, sentimos quando foi preciso sepultar o que restou daquele que era um em todos, pois somos todos em um. E esta nossa parte física fraca, corruptível sentiu a dor da perda. Deixamos seu corpo ali, naquela cova, debaixo de toda aquela terra. Tínhamos que retornar a nossas vidas. Ás vezes nós olhávamos para trás olhando mais uma vez, sem acreditar que ele estava ali. Ao longe, via sua sepultura coberta de flores e tentava me convencer que aquilo que estava enterrado ali era apenas o que restou dele.

Cada um retornou às suas vidas, depois de anunciarem o próximo reencontro.E o dia pra mim seguiu estranho... Eu ainda não sentia nada... Nada... Não conseguia chorar ou sofrer com o ocorrido... Mas, sentia medo... Ainda aquele medo de dias atrás...Estava sofrendo, mas não com a partida de nosso amigo... Sofria porque nunca tive tanta certeza de que todos nós iremos embora sem saber quando.

A morte de nosso amigo colocou-me novamente diante do medo da Morte. Ela quem tantas vezes desafiei. Ela que tantas vezes venci. Ela que tantas vezes busquei. Ela de quem mais fugi. Posso senti-la rindo de mim, pois pode ver em meu rosto a minha certeza de que não há para onde fugir.

A vida pareceu algo sem sentido, pois vivemos fazendo planos, traçando metas, ocupados demais nestas buscas, planejando o amanhã que nem sabemos se virá, sem poder usufruir as coisas simples da vida que são o que tornam uma Vida realmente completa.Tudo se perde quando a Vida acaba.

É preciso crer que somos mais que uma máquina complexa programada que simplesmente reage aos estímulos. Deve haver ou há algo que torna esta existência tão verdadeira que seja o real sentido... Deve haver algo que torne nossa existência um propósito para algo além e maior que tudo o que ambicionamos.

O mundo cheio de suas teorias, donos da Verdade, verdades absolutas generalizadas e sem piedade alguma quando ao 'sentir', está matando todos os dias todas as crenças que tornam possíveis vencer a dor da perda e a incerteza dos motivos de existir. Tudo isso derruba todas as pontes que tentamos construir para dar um sentido a Vida. O único fato que parece certo e podemos crer sem sombras de dúvidas é que existe um amanhã, mesmo que ainda não tenha chego.

Os impiedosos preferem propagar suas crenças de que a morte é o fim de tudo, para contaminar todos com sua crença de que a vida é uma maldição sem sentido que serve apenas para nosso tormento enquanto aqui existirmos. Tentam desmascarar nossa capacidade de sentir e produzir os mais nobres sentimentos pela própria incapacidade de ver sentido em algo...Por serem capazes de crer apenas no que podem tocar, ver com os próprios olhos, e não dão conta de que com isso criam também a descrença no abraço, no outro, no que o outro é capaz por nós.

Hoje o fel na minha boca tinha vários teores e intensidades... Engoli um a um e senti tão amargo... Hoje pude me vestir de tantas crenças e descrenças... Hoje, vi meu mundo ruir e enxergar apenas um imenso e enorme nada! Hoje, considerei o viver a coisa mais imbecil a se fazer!Hoje pude saber com exatidão o que é não crer em nada...

Mas mesmo assim, como um broto que luta com a terra para contemplar a luz do Sol, senti uma fagulha acesa lá no mais profundo do meu ser. Pois, embora tudo isso tenha se passado dentro de mim, há algo que insiste em existir e é forte.


Apesar de tudo isso, aqui dentro existe algo que me diz que vale à pena crer... É como um pequeno milagre que acontece... É como a gota que o orvalho forma... É isso o suficiente para seguir acreditando, pois existe, independe se eu acredite ou não.

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