Destaque para outras Almas Nuas

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Rascunho do livro

*Hora da historinha* - trecho para o livro - rascunhando



"Certa noite um marido chegou em casa do trabalho, bem fora do horário costumeiro. A esposa, já acostumando-se aos "atrasos", agiu normalmente, como se nada de errado estivesse acontecido.

O marido, por sua vez, não gostou da postura da esposa. Esperava que ela esbravejasse, fizesse discursos inconformistas, o acusasse de estar com outra mulher, o cobrasse e todas as falações que as mulheres que intuem que há algo muito errado costumam discutir. Mas, ela não fez nada disto. Já havia preparado seu psicológico... Sabia que haveria uma avalanche de negações, depreciações, humilhações e palavras ofensivas, além do jogo de inversão de lado: onde um muda o rumo da discussão e volta o foco para o outro. A esposa simplesmente procurou se poupar de qualquer desgaste emocional... Ela não estava bem de saúde, estava iniciando um tratamento, precisava poupar energias diante de algo que não mudaria nunca. Seria apenas mais uma discussão e tudo continuaria igual...

O marido não se deu por satisfeito. O porque ele fez algo que sabia que afetaria a esposa, está nas entrelinhas... O porque ele não se conformou com a atitude dela também...

Mesmo assim, ele iniciou uma discussão. Frases sem sentido,    refletindo um inconformismo por ela não "se importar" com o que ele esteve fazendo, a avalanche de depreciações, acusações, a lista de defeitos que determinavam como ela é péssima em tudo o que faz e disto para pior...

Ele com certeza estava alterado. Ela preferiu se manter em silêncio, apenas ouvindo e para que ele acreditasse que ela o ouvia, mantinha os olhos sobre ele. Talvez assim, a discussão logo se encerrasse. Mas, não foi o que aconteceu. Ela passou a gritar reclamando que  ele falava com as paredes porque ela não o respondia. Ela passou a responder com perguntas curtas como "Como assim?", "Por que?", "Você acha que é isso mesmo?"... Ele passou a gritar que ela não o respeitava mais e o afrontava, respondendo- o.

A discussão arrastava-se até as quatro da madrugada... Ela estava exausta e sobre efeito de tantas medicações... Começou a sentir-se mal e pediu licença para retirar-se para poder descansar. Ele sentiu-se ofendido: "- Você vai me deixar falando?". Manteve-se em seu lugar à mesa e tomou dois comprimidos para quem sabe sentir-se melhor, o que não ocorreu, pois, ela só precisava descansar.

Meia hora depois, sem argumentos e esgotados os motivos de tanta gritaria, o marido se retirou e a esposa pode enfim descansar. Nada como uma noite de sono: no outro dia, tudo seria passado...

A esposa acordou e seguiu em sua rotina comum de dona de casa... O marido acordou e preparava-se para o trabalho, mas, rodeava a esposa. Ela parecia sentir a vibração: ele ainda queria falar mais. E foi o que aconteceu. Enquanto ela arrumava o quarto das crianças que já estavam na escola, ele colocou-se diante dela, continuando a gritar:

"- Você sabe porque briguei com você? Você sabe porque gritei com você até tarde da noite?"

"- Não, até agora não sei... Você disse de tudo, menos o motivo que explicasse."

"- Então, eu vou te dizer! Eu tenho inveja de você! Tenho inveja de quem é, de como pensa, do que faz e do que quer fazer! Tenho inveja dos seus amigos, de como te enxergam, de como você é!".

Ele continuou gritando... Era como se os ouvidos dela tivessem se fechado: à partir daí ela não conseguia ouvir mais nada. Sentia seu cérebro entorpecido de medicações se esforçando em compreender porque um marido sentia inveja da esposa. Aquela noite, aquela madrugada e todas aquelas palavras ficaram cravadas na memória da esposa. Como esquecer algo que não conseguia compreender?

Os anos se passaram e o resultado de discussões deste nível todos podem imaginar: o casamento acabou. O que não acabou foram as marcas internas de cada palavra dita e cada atitude agressiva. As lembranças parecem fantasmas que atormentam o dia-a- dia da esposa que vive se perguntando ainda "O que fiz de errado?". 

Só depois de tantos anos após aquela noite, ela acreditou começar a compreender o que foram aquelas palavras. 

A vida de quem viveu tantos anos dedicada ao lar, a família e ao casamento ainda estava um caos. Nenhuma mudança é fácil e não era simples recomeçar não sendo mais tão jovem. Então, fazendo projetos para mais uma tentativa de recomeçar a própria vida, expressou seu interesse em uma das casas que ambos possuíam. Ela imaginou a decoração, sua rotina - nova mas sempre tão desejada... Imaginou que poderia ter um trabalho, fazer, talvez, doces para vender, ou quem sabe costurar: haviam tantas possibilidades! Tudo ficou apenas na imaginação... O marido se recusou!

Então, foi ele e tomou posse da casa que a esposa queria. E passou a decorá-la. E passou a criar uma vida e uma rotina ali. Aquele sentimento que impulsionou o marido a chegar atrasado em casa e a criar uma discussão diante da esposa indiferente continuava ali. A inveja vai além do que todos acham que compreendem...

A inveja não apenas sente raiva pelo que você tem e é. Ela anda de mãos dadas com a cobiça: ela quer o que você tem e é! Ainda vai além, criando artifícios para que você deixe de ter e ser! A inveja tem dinheiro e pode comprar: compra coisas e pessoas! Mas, conserva a frustração do "querer o que não tem" porque o que o outro não dinheiro nenhum pode comprar!

Tudo o que cada um é, é resultado do caminho que trilhou, das experiências que viveu, das pessoas que cruzaram seu caminho, de suas derrotas e vitórias... Tudo isso é o que torna cada um tão único não podendo um possuir o que o outro adquiriu!

A inveja será obstinada, fará de tudo para te deixar na pior, sem nada, sem rumo, sem lugar e este é o ponto que quase ninguém é capaz de enxergar com totalidade: se você é realmente quem é, e possuí em si realmente o que possuí, você pode até ficar na pior, mas, vai sempre encontrar o melhor. Você pode até ficar sem nada, mas, sempre vai conseguir de volta, igual ou melhor. Você pode até ficar sem rumo, mas, de repente, compreenderá que é apenas um momento de incerteza, pois, quantos rumos a vida tem! Você pode até ficar sem um lugar, mas, sendo quem é, você caberá em qualquer um!

A vitória ou elevação do invejoso é apenas superficial, material... Como quem compra coisas por impulso na tentativa de suprir a falta do que tem dentro e que não é físico. Por fora, tudo é relativo, aparência, capa, máscara, véu. É o que está dentro que determina cada um. E o que está dentro ninguém pode te roubar!" - Shimada Coelho - 07- Fev- 2020.

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