Destaque para outras Almas Nuas

quinta-feira, 28 de julho de 2011

O que há dentro de nós?


Bem que Ana me avisou: "Cuidado! Seu jogo é perigoso e você vai acabar caindo numa cilada! Talvez pode também se machucar! Não teste as pessoas e não tente entendê-las... Não assim entrando nelas!"

Não aprendo! Quando criança minha família achava que eu era curiosa, enganavam-se: queria entender o mundo que até hoje não consigo entender!
Se o relógio fazia girar os ponteiros e fazia tic ou tac, queria saber como: abria o objeto com cuidado de memorizar como montá-lo novamente, mas precisava saber se ao menos a peça tinha Alma! Como é que aquela coisa ali sempre parada fazia som e movia os ponteiros?

Talvez, aficcionada por essa coisa de Alma! Por que eu queria sair abrindo tudo que se movia ou fazia ruído para poder entender como sou dentro de mim! Diziam na igreja que dentro de nós havia Alma!

Depois do relógio vieram as Lagartixas... Trocavam as telhas de barro e eu e minha irmã mais nova encontramos uma morta... Preocupei-me com a expressão no rosto dela de pena... Tínhamos uma dúvida enorme sobre morte, talvez por sermos crianças... Queria saber muito se Lagartixas tinham Alma, mas também queria poder dizer a minha irmã que morrer não era algo tão grave assim, pois quem além dela queria chorar pelo pequenino animal? Abri a Lagartixa depois de encontrar uma faca que considerei afiada, escondida de minha mãe... Fiz-lhe um corte na pequena barriguinha, do jeito que havia visto os médicos fazerem na TV... Peguei o livro da escola, na imagem onde havia o desenho do corpo humano do lado de dentro...

Comparei: Lagartixas possuem pulmões, fígado, coração, e outros saquinhos de carne chamados órgãos.... Eram pequenos demais para reconhecer...
Corri na máquina de costura de minha mãe... Roubei-lhe agulha e linha... Precisava costurar a barriga da pobre falecida, porque minha irmã queria velar-lhe o corpo e depois enterrá-la...

Deixei a caixa de fósforos vazia e os palitos jogados sobre a mesa... Encontrei algodão para forrar a caixa, pois era uma das exigências... O pequenino corpo não cabia na caixa... Pensei em dobrar, mas como que lendo meus pensamentos minha irmã choramingou: "- Não machuca mais ela!". E pensava comigo se ela ainda estava ali, já que seu corpo sim.

E lá foi minha irmã procurar o lugar mais bonito do jardim, uma ‘mini clareira’ debaixo do Brinco-de-princesa visitado sempre por um Beija Flor... A menina chorou ajoelhada ali... Imóvel... Eu cavei um buraco, perguntei se podia fechar o 'caixão' e foi permitido contanto que eu o descesse devagar como manda a regra. Jogado o punhado de terra, enterrou-se a pobre afinal... Saímos pegando flores para enfeitar o 'túmulo'. Quase tive um chilique tentando fazer uma cruz com palitos de dente: tentava amarrá-los com linhas como os meninos fazem as pipas. E minha irmã perguntou: "- Você viu a Alma?".

Talvez ela já tivesse fugido dali... Ou então animais não tenham uma... Mas no outro dia, encontramos ovinhos iguais aos de galinha, mas eram tão pequeninos! Saímos pegando gravetinhos secos das plantas para tentar fazer um ninho... E nunca que o ninho ficava pronto... Até que papai se aproximou e disse: "- Não vai sair dai passarinho! São de Lagartixa!"

“- Oh, céus! Lagartixa bota ovos?"- arregalamos os olhos. Os ovos estariam órfãos da pobre que havíamos enterrado no dia anterior? Pensando na possibilidade, lá se foi minha irmã querendo chorar...

E se a Alma dela fugiu para dentro dos ovos? Eu precisava saber. Mas queria fazer os coitadinhos chocar. Papai riu e disse que não daria certo. Então, lá fui eu de novo, querendo abrir! E abri os ovinhos com cuidado... Lá dentro havia uma coisinha feia...

Corri e peguei o livro... Arrumei aquela coisinha estranha, revirei as páginas e encontrei o desenho de um feto humano. Comparamos... E disse:

“- Você vê que coisa? Eles se parecem com a gente quando são bebês! Por isso não podemos fazer mal algum à eles!"

“- E você descobriu se eles têm Alma?" - perguntou minha irmã com os olhos fixos naquele negocinho.

“- Ainda não sei, esse não dá pra abrir! Será que está vivo? O que faz eles ficarem vivos e porque não dá pra ver essa tal de Alma? Mas olha, se um dia eu descobrir eu te conto!".

A infância ia passando enquanto eu abria os brinquedos, o rádio, a capa de couro de um livro, o galho da árvore, o miolo da Margarida e da Rosa, os bibelôs que se quebravam, as imagens dos santos, as canetas e lápis, o travesseiro... Não importa se dissessem que não podia isso me fazia desejar mais abrir tudo.

Descobri que os objetos são mortos, pois só se mexem se nós tirarmos do lugar... Objetos não têm Alma!


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O que há dentro de nós? de Shimada Coelho é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.

2 comentários:

  1. A final de contas temos, ou ñ alma, pois ao final do seu texto concluiu q os objeto ñ tem, mas e nós? Já q ñ é visível, ñ adianta abrir o cidadão p/ descobrir.
    Todo este comportamento (de curiosidade) por conta de uma criação cristã, onde a alma é o mais importante do ser, e o corpo é só um fardo a carregar, até a libertação da alma (desencarnar).
    Gostei do texto, ñ sabia destas qualidades da amiga Shimada, convivendo no face, vou descobrindo a inteligencia da amiga.

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    1. Oi Ricardo! Como vai você! Eu tinha tantos espaços na internet que acabei não cuidando deles devidamente, então, eu aceitei seu comentário e me esqueci de responder, pelo visto.
      Como não acredito que nada é acaso, me deparando neste momento com seu comentário me senti inspirada a escrever sobre o tema. Gratidão por isso, amigo!

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