“A cotovia (autorretrato)“, feita em 1989 por Heinrich Vogeler
"As palavras da Sabedoria me abandonaram... Os grandes olhos expressivos já não estão mais sobre mim... Acabei de cair e me encontro na mais sombria de todas as escuridões. Não há nada mais abaixo...
O mundo brada por misericórdia e o que há para ser dito? Nada. O que pode ser feito? Nada... A cegueira não permite enxergar os rumos... Há apenas os sons: ora alertam, ora encantam... E quem quer ouvir?
Tantas mãos estendidas e como uma única pode preencher cada palma aberta? Desce a mão sobre a própria fronte e medita dia e noite... Quem sabe a Luz venha e revele cada pedra de tropeço pelo caminho.
O frio dói cada vez mais por causa da grandeza da Solidão. As ruas estão superlotadas, mas veja quanto acre de terra entre um e outro alguém! Nos cânticos de uma suposta liberdade, chacoalham as cercas e tremem os muros em todos os seus diâmetros. São exatamente quantos m³ de Ilusão em cada um destes recipientes?
Aprisiona o precioso ar em um balão e solta-o... Não sabe onde vai... O vento o sopra para onde quiser assim como a folha seca que leva... Vaga sob olhares indiferentes...Não importa onde vai parar. No final, o fim é um recomeço. Um ciclo constante e repetitivo que também é pura ilusão. Há de ter alguém que sinta a mesma coisa todo santo dia de sua longa existência?
A Cotovia saúda o Sol com a mesma velha canção. O rio ainda segue seu mesmo curso não importa quantas sejam as tentativas de matá-lo. As flores nunca se cansam de abrir, murchar, morrer e renascer. Ciclos intermináveis... Parecem - tão somente parecem - tão iguais. Mas ontem senti o ardor do Sol e á noitinha o frio inchava meus poros. Logo, logo vai chover, pois a garoa já cai.
Para meus ouvidos a Cotovia não canta todos os dias, pois eu nunca a posso ouvir. Nem ver. Não existe rio se não está ao alcance de meus olhos. As flores sempre irão surpreender porque são a cor viva que se destaca no verde que é tão o mesmo...Sempre o mesmo verde...
Não vi o Sol nascer, mas senti o seu calor. E mesmo que as sombras cubram a Terra trazendo a noite, ainda assim ele estará lá."
O trabalho Sentidos de Shimada Coelho foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - NãoComercial - SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
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