Eu leio e escrevo desde os cinco anos de idade. Pouco antes da puberdade, passei a escrever meus pensamentos e sentimentos em agendas velhas. Quando me casei, reli a revolta da minha adolescência auto destrutiva e sem guia: eu ainda era a mesma criança, mas meu corpo, não. Senti uma tristeza tão grande pela adolescente Shimada, que tentava se salvar fazendo voluntariado em hospitais e asilos, em vez de fazer o que todo adolescente fazia... Eu queimei todos eles em uma imensa fogueira, acreditando que o fogo fosse consumir o que ainda existia dentro de mim. Me enganei... Os elementos da Natureza nada podem fazer: só nós mesmos...
Em 1997, voltei a usar agendas velhas, depois de comprar um nova e deixá-la lotada! Estou olhando pra elas neste momento... Eu as escolho aleatoriamente para escrever começando com "Sem Data Para Ser Eterna"....Escrevo para meus filhos e à vezes, para os netos que ainda não tenho. Não escrevo nelas há muito tempo: não quero repetir as tristezas das agendas queimadas... De 2016 pra cá, o que pensei que seria minha libertação, se tornou um inferno que parece que não tem fim... Ai eu escrevo...Por metáforas em poemas sem métrica e desobedientes às regras de compor: tem que ser assim, como eu sou.
Quando a quarentena da Pandemia começou, eu já vivia a mais ou menos quatro anos em isolamento. Há dois, eu parecia viver em cárcere privado. Dizem que não existe merecimento ou punição: existem consequências! A consequência de tantos anos fechada dentro de casa por medo, resultou em cinco gotas de vitamina D que devo tomar para o resto da Vida.
Eu tive COVID por duas vezes, em nenhuma fui para o atendimento médico, mas, as sequelas do fim do meu casamento foram bem piores.... Eu vivi uma Vida esperando a Morte Súbita sem me dar conta que eu já estava morta, como o decreto que trepidou com o martelo da juizá me dando dois anos de pensão alimentícia - o "suficiente" para recomeçar a Vida que anda não consegui recomeçar - mesmo perdendo a casa que ajudei a pagar. É... É uma história digna de novela das nove que não vou contar aqui porque é massante, tamanha as injustiças e mentiras. Me contento com as consequências dos atos de cada um.
Um dos temas mais frequentes nas agendas queimadas era a sensação de não pertencimento: de me sentir no lugar errado, no planeta errado, na casa errada (e olha eu de volta pra casa que eu achava ser o lugar errado). Eu ainda sinto isso...Eu não consigo caber em lugar nenhum, em ninguém... Eu não falo, por ter a certeza de que não serei compreendida ou serei interrompida com um discurso "motivacional pessoal".
Três meses antes de minha mãe voltar as idas e vindas ao hospital e que culminaram em sua morte, ela ficou comigo me dando a honra tão esperada de cuidar dela. Desalojei meus filhos do quarto deles e os coloquei na sala para que minha mãe tivesse um lugar tranquilo e reservado. Ali eu dormia com ela. Ela não tinha mais o funcionamento normal do relógio biológico, não conseguia sentar: eu tinha que dar comida em sua boca. Dormia com ela porque ao longo da noite, subitamente lhe vinha a vontade de ir ao banheiro: era preciso quase que carregá-la. Ela pedia desculpas por me acordar com frequência e eu, a fazia rir lembrando as tantas vezes que a fazia levantar para me levar ao banheiro ou me dar água.
Em uma destas noites, ela me disse: "Me perdoa!". Eu lhe respondi em tom de brincadeira: "Mas, de novo? É a segunda vez na minha Vida que a senhora faz isso! Posso te cobrar mais vezes, hein?". Então, ela me disse o que finalmente me explicou: "Me perdoa porque não te conhecia! Eu não conhecia minha própria filha! Eu não sabia que você era assim!".
Não importa o quão sincera, transparente, explícita eu possa ser: ninguém nunca vai realmente me conhecer e não culpo ninguém, afinal, nem minha própria mãe, tão presente, me conhecia.... Meu filho mais novo ficou perplexo, certa vez, quando uma amiga que estava com ele, aceitou ser babá de última hora. O bebê estranho o ambiente, sentiu falta da mãe. Meu filho pediu socorro e eu fiz o que deveria fazer. "Eu nunca imaginei que um dia veria você fazendo isso!". Disse a ele, rindo, que eu fiz com três filhos! Meu filho não me conhece. Estudei a Vida inteira para me conhecer enquanto ninguém me conhece...
Eu só falo da minha Vida particular se isso acrescentar de alguma forma a alguém, caso contrário... A minha história está na mente das pessoas que conheceram um pouquinho de mim.
Queimar as agendas velhas de nada adiantou. Nelas eu constantemente me perguntava "quem eu sou?" ou "o que vim fazer neste mundo?". Só eu sei quem eu sou e o que vim fazer... Só eu!
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